Auto retrato
Não quero tocar o coração de ninguém
a não ser o da minha obra.
Minha obra de erigir com as mão sujas de barro
as asas de um anjo.
Um anjo que vai nascer
no meu último suspiro
- e voar por entre as árvores recém orvalhadas
e ascender à misteriosa trajetória dos que são guiados.
Não quero ser a porta-voz do que nunca fui,
do que nunca fiz,
do que nunca sonhei.
Sonhei o sonho da pedra em ser gente,
o sonho do animal em ser ouvido e compreendido
sonhei o absurdo de ver o amor vencer.
E de mistério em mistério,
por não compreender o tempo em que vivo,
ou de nele atordoar-me como um ser abandonado
longe do seu lar, dos afetos do coração,
vivo a buscar o rosto de Deus nas coisas do mundo
quando o mundo parece não mais ter rosto nenhum.
Mas essa noite me fala de alguns sorrisos,
de seus pássaros dormindo,
de alguém que num leito de hospital tem esperança.
E novamente me volto aos jardins da alma
para poder respirar melhor....
Lúcia Constantino
Enviado por Lúcia Constantino em 07/08/2018