Poemas da Caminhada - Lúcia Constantino
O canto da alma é a única coisa que fica. E o que dele fizermos...
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As metamorfoses
Não era apenas um dia qualquer. Era aquele dia em que o ar parece mágico, em que as árvores decidem abrir a boca para falar sobre seus duendes e em que os pássaros decidem que o concerto será pra valer. Abriu a janela e viu e ouviu tudo isso. A linguagem da natureza. No coração, a metamorfose se inicia. É preciso dar à mente e ao corpo o tempo necessário para desintegrar as crateras, tornar tudo plano, verde e calmo e luminoso como os campos ao nascer do sol - são muito tênues as linhas que separam a luz das trevas dentro da mente e ela pensou em o quanto é necessário tatear muitas vezes nesses escuros para encontrar a chave certa para acender os dias. Talvez agora, alí, naquele minuto em que a mãe natureza se exibia em todo o seu esplendor, encontrasse também as respostas que buscava. Um ruído estridente e irritante chamou sua atenção ao longe, aproximando-se mais e mais. Ao passar em frente de sua casa, viu nada mais que um menino que não devia ter ainda quinze anos,  pilotando uma bicicleta motorizada e sem capacete. Aquilo cortou-lhe os pensamentos, cortou-lhe os murmúrios dos campos ao longe e deu seu aceno do que fere como a vergonha da força que move os cuidados e as responsabilidades para os abismos. A árvore que abriga os ninhos então desatou a esbravejar, os pássaros assumiram vôos mais altos e ela ficou ali, na janela, ouvindo o ruido da bicicleta desaparecer ao longo da estradinha, como se fora um grito vindo das profundezas dos séculos, quando pai e mãe ainda não se faziam tarde demais.
Lúcia Constantino
Enviado por Lúcia Constantino em 13/11/2015
Alterado em 17/12/2015
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