Poemas da Caminhada - Lúcia Constantino
O canto da alma é a única coisa que fica. E o que dele fizermos...
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A foto
A menina atrás do padre na foto. Antiga foto, amarelando, guardando, entretanto a visão dos anjos. Vestida de branco, a vela e o missal nas mãos e o coração pleno de pureza e ternura. Olha para essa foto como quem olha para o rosto de uma flor. Quem nunca reparou no rosto de uma flor? Ele sempre nos indica o caminho para o melhor de dentro de nós mesmos. Agora é o entardecer. A menina retorna no tempo, vai viajando pelo anos, pelos dias, pelos segundos e não consegue mais lembrar direito o que sonhava, o que pensava naquele dia em que tirou aquela foto. O certo é que provavelmente tinha passado dias de muita tristeza, com o pai sempre ausente de casa (ele nem estava presente nesse dia também), com a mãe vendendo os móveis da casa para poderem comer. Naquele dia talvez ela lembrasse de um outro dia,  quando entrou na casa paroquial para onde iam todas as cartas da aldeia, em busca de um telegrama de seu pai -- e sentiu vindo da cozinha da casa um cheiro delicioso de pão quentinho, de queijo, e ela não comia fazia horas e horas. Não sabia que guardaria aqueles cheiros para sempre no coração.  Sim, talvez tudo isso tivesse passado por sua cabecinha naquele momento da foto. Ou talvez não. Ela já não lembra mais. Chegar até aquele dia supremo, de vestido branco, com o missal e a grande vela nas mãos tinha sido um grande, imenso sacrifício. Lembra agora, que móvel talvez tivesse sido vendido para pagar o tecido do vestido, a vela, o missal?  Quantos mais espaços haveriam ainda de ficar vagos em sua pequena casa até que o pai retornasse, até que chegasse o telegrama sonhado com as palavras "chego dia tal.." e quase nunca era naquele dia tal e sim outros muitos e muitos dias depois....e cada dia tinha o peso da saudade, da fantasia destruída, de mais uma casinha de bonecas demolida, de um dia com gosto de coisas eternas, que não mudam, que nunca tem fim, porque lhe parecia que o hoje era realmente o mais importante e ela não sabia viver no amanhã, esse amanhã que era o hoje cruel demais, não sabia como sua mãe conseguia crer no amanhã, esperar pelo amanhã, ter confiança no amanhã. Queria aprender com ela, mas não conseguia... agora vem a foto da menina de anjo a encher-lhe os olhos de lágrimas. Mas lágrimas de alegria, porque sabia que por um momento, por pequeno que fosse,  aquela foto era a prova que tinha conseguido colocar os pés naquela mágica terra onde a pureza e a inocência alinhavam-se com os planos de Deus.
Lúcia Constantino
Enviado por Lúcia Constantino em 12/11/2015
Alterado em 17/12/2015
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