Trocando assunto ontem com um amigo, lembrei-me de um fato ocorrido em 2002, quando eu lecionava numa pequena escola rural próxima à cidade de Guaraqueçaba, litoral-norte do Paraná. A escola ficava em um vilarejo em meio à Mata Atlântica com pouquíssimas casas, um pequeno comércio e circundado por imensos rios. A maioria dos alunos vinha de longe, alguns até cruzavam os rios em barcos para poder chegar à escola. Eu dormia no alojamento ao lado do colégio. Um quarto, com pequena sala, cozinha e banheiro. Também a pequena construção abrigava o posto dos Correios.
Uma noite, acordo lá pela uma da manhã com um canto triste, um verdadeiro lamento. Parecia uma mulher chorando pela rua. O canto ia e vinha, distanciando-se e aproximando-se. E eu sozinha alí, sem telefone (naquela época talvez nem houvesse celular, se havia, eu não tinha) -- Assustada, sem poder falar com ninguém e com medo de sair lá fora no escuro, eu me perguntava como a população do pequeno vilarejo deixava uma pessoa, de madrugada, na rua, desesperada assim... que gente sem coração! Não dormi aquela madrugada. Não conseguia. Aquela dor me pesava, não consegui fechar os olhos. Depois, claro, o sono me venceu. Com lamento e tudo.
Pela manhã, no colégio, a primeira coisa que fiz foi perguntar o que era aquilo. Disseram-me: - ah, você se assustou? Era apenas uma coruja.
Mas descobri que não era uma coruja. Trata-se do pássaro Urutau, ou como alguns chamam Mãe-da-Lua ou até Pai-da-Lua. Um pássaro noturno, parecido com coruja, pássaro raro, lendário. Dizem que" ele aparece na hora em que a lua nasce e seu canto triste se assemelha a “foi, foi, foi...”. Uma lenda diz que o pássaro seria uma mulher que perdera seu amor" (*) - Também há muitas outras lendas sobre seu canto, que realmente parece o de uma pessoa se lamentando. Foi duro, mas até divertido descobrir o quanto minha imaginação e ignorância produziram aquele meu pesadelo. Porém, acima de tudo, ficou também a honra de ter ouvido esse canto raro, extraordinário, embora nos pareça de uma tristeza imensa.
Abaixo, link de seu canto no youtube, onde também mostra o nobre trabalho de um biólogo pela sua preservação.